quarta-feira, 23 de abril de 2008

Acordeão

Miúda, disse aos meus pais que gostava de música e pedi para aprender guitarra, ou piano. A minha mãe arqueou o sobrolho, respondeu que guitarra não tinha graça, e para o piano não havia espaço. Os meus sonhos musicais cairam por terra. Fiquei bem triste, mas dias depois os meus pais chamaram-me para uma conversa séria: o "conselho de administração" tinha uma proposta para me apresentar! Se eu quisesse estudar música, então tería que optar pelo instrumento preferido de ambos: ia aprender a tocar acordeão! A oferta foi apresentada mais ao menos dentro das condições "ou isso ou nada" e, naquele momento, pareceu-me que do alto dos meus 8 anos não tinha grande margem para negociação. Lá fomos uma quarta-feira à tarde fazer a inscrição na escola de música, Place Durel, e nesse momento eu não podia imaginar como isso ia influenciar o curso da minha vida. Três ou quatro anos depois, surgiam um pouco por todas as vilas francesas Associações Recreativas Lusófonas; a comunidade portuguesa organizava-se no sentido de recriar algumas raízes culturais, em forma de ligação às origens. Fui convidada para tocar acordeão no Rancho Folclórico "Províncias de Portugal" de Brignais, e durante muitos anos os meus fins de semana foram preenchidos com ensaios, actuações, bailes e festas. As associações promoviam encontros e festivais que nos levavam a viajar um pouco por toda a parte; lembro-me de uma viagem à Alemanha, passeios à Côte d'Azur, grandes convívios e muita amizade. Recordo com muita ternura e satisfacção esses tempos da adolescência cheios de música, cor e folclore. Anos mais tarde, após conquistar uma bolsa de estudos para formação no estrangeiro, ingressei no ensino superior em Portugal. Não trouxe muita bagagem, apenas vinha estudar um ano para Portugal; mas comigo veio o meu Acordeão Cavagnolo, companheiro de aventuras e amuleto de sorte. Uma vez mais, o instrumento converteu-se em passaporte para o universo académico: escassas semanas após o início do ano lectivo alguem ouviu falar do meu acordeão e fui convidada para integrar a Tuna Académica do Isla de Leiria. Abriram-se então as portas da noite académica, dos festivais de tunas, das trovas e das serenatas. Guardo desses tempos memórias pautadas por música e convívio, aventuras e desventuras, grandes amizades que ainda perduram.
O tempo passa e longe vão as aulas de música e solfégio, os festivais folclóricos e as noites académicas. Hoje são escassas as oportunidades de percorrer os seus botões e arrancar-lhe uns acordes, mas a mala do meu acordeão abriga alguns dos melhores momentos da minha vida, risos e lágrimas, vitórias e derrotas, sonhos e promessas. Ha qualquer coisa de mágico no fole do meu acordeão.
Imagem: Delphine Portier, óleo sobre tela

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